"Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo."
Bernardo Soares
Livro do Desassossego

domingo, 20 de abril de 2014

O Teu Rosto Será o Último, de João Ricardo Pedro


Através de pequenos capítulos, este livro narra a vida e as tragédias de uma família. Cada capítulo corresponde a um episódio, sendo estes frequentemente fechados, ou seja, há uma narrativa com princípio meio e fim em cada capítulo. Contudo, as pequenas farripas libertadas de cada teia de ação irão entrelaçar-se nos capítulos finais.

Este não é, definitivamente, um livro para ler levemente. Com efeito, os capítulos oscilam no tempo, situando-se entre o pós primeira Guerra Mundial e o início dos anos 90. E tão depressa estamos em Portugal, como em África, Áustria ou Buenos Aires. O autor tem uma escrita escorreita e razoavelmente refinada. Usa e abusa de duas figuras de estilo: enumeração e repetição, como podemos ver pelo excerto abaixo:


Depois de novo o silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Silêncio. Até que, com a mão direita, procurou o ralo por baixo da nuca e destapou-o. O corpo começou a emergir lentamente. Primeiro os olhos. A testa. Depois a boca. O queixo. As orelhas. Os mamilos. A barriga. Os pés. As pernas. Os ombros. Os braços. As mãos. Os dedos. Toda.” (p.129)

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