"Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo."
Bernardo Soares
Livro do Desassossego
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domingo, 18 de maio de 2014

Jesuína Vitória - Uma mulher da Ribeira de Muge, de Manuel Evangelista


Este é o mais recente livro de Manuel Evangelista. Por norma, os seus livros que têm um cariz etnográfico, com base nas inúmeras recolhas que o autor fez junto de pessoas mais velhas que viveram na área de influência da Ribeira de Muge. As suas obras têm um qualquer fio condutor, seja cancioneiro, lendas, orações ou contos. Contudo, neste livro podemos encontrar um pouco de tudo isso, uma vez que desta feita, o fio condutor do livro é aquilo que em “cientifiquês” se chama “fonte oral”. 

O autor apresenta aqui uma compilação de poemas e contos, misturadas com prosas de “narrador presente” em que a patrona do livro conta não só a sua vida, como também a forma como viveu, desde os rituais diários àquilo que se comia. 

Tendo esta vivido parte considerável da sua vida numa das mais importantes casas agrícolas da Ribeira de Muge – a Ponte Velha, torna-se este livro de memórias também num documento único, que nos mostram como eram os rituais dos trabalhadores desta casa. 

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Cancioneiro da Ribeira de Muge, de Manuel Evangelista


Existem muitos tipos de património. O etnográfico, devido às suas características próprias (nomeadamente o facto de estar intimamente ligado a aspetos de difícil conservação e fácil adulteração), quando se cruza com a dimensão imaterial, corre um risco muito maior de desaparecer.

Este livro é um importante contributo para a fixação do património imaterial e etnográfico da zona da Ribeira de Muge. As músicas, quadras e rimas que aqui encontramos são popularmente designadas como “versos”. As mulheres nos canteiros de arroz ou os homens nas tavernas (já bem tocados), eram dois dos melhores cenários para a criação desta poesia popular.

É praticamente impossível recuperar e registar todo o património que aqui se criou. Contudo, este livro dá um notável contributo para que aquele que aqui está registado já não se perca.

Apanha da azeitona
Vimos do campo
De trabalhar
Alegremente
Rir e mangar
As nossas varas
São as primeiras
Nas oliveiras
A varejar
A varejar
Também tem apanhadeiras
Nas oliveiras
Para apanhar

Rancho da nossa Raposa
Como tu não há igual
Azeitona já verdeja
Bendita vareja
Viva Portugal
Azeitona já verdeja
Bendita vareja
Viva Portugal.
(p. 62).

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Contos do Rei Preto e outros contos do Paço, de Manuel Evangelista


Esta obra é um tributo à mais mítica figura da Ribeira de Muge, o Rei Preto. Aqui o autor apresenta-nos estórias que recolheu junto de pessoas mais velhas, quantas vezes iletradas, sobre aquele que é a personagem identitária das gentes do vale da Ribeira de Muge em geral, e de Paço dos Negros em particular.

É um contributo para que esta memória não se perca. Este livro resulta de uma interessante mistura entre documentos encontrados na Torre do Tombo, a tradição oral (que referimos), e uma crítica, quase ao estilo de Gil Vicente nos seus autos, à degradação, ao abandono e sobretudo ao desconhecimento e ao não querer-saber a que o património cultural desta zona tem sido votado. Sobre este último aspeto, podemos deixar aquele que talvez seja um dos mais deliciosos excertos do livro:

Naquele tempo, o rei ocultava-o mas era já senil. Então a camareira-mor, influente e protetora, cavalgou com sua Alteza até aos Paços Velhos e, fugindo de todas as evidências como o diabo da cruz, para dar senho de rectidão e de que nada de valor ali se achava, mandou cavar um buraco no meio do horto e, em pessoa, mergulhou no fundão da fossa. Eis que a camareira, acudindo-lhe um ataque de ciência, ripando de umas berças do horto, saltando lá para dentro, decretou a História do Paço: - Eis, Alteza, a coisa de mor valia que acho nesta terra. Meu real amo e senhor quereides um talo?(p. 69)


 Por outro lado, tendo em conta a presença de negros, o autor coloca o Rei Preto e demais escravos a falar com base nas falas que têm nas obras de Gil Vicente. A poesia popular pontua também este livro em alguns pontos, o que cria uma obra que é, antes de tudo, as memórias de um povo. 

Os Doze Passos das Negras
Compro renda
Vendo renda
Faço renda
Vendo renda a meio tostão
Quatro metros não me chegam
P’ra roda do meu balão

P’ra roda do meu balão
P’ra roda do meu vestido
Compro renda
Vendo renda
Faço renda
Para eu casar contigo

Compro renda
Vendo renda
Faço renda
Vendo renda a três e meio
Quatro metros não me chegam
P’rá barra do entremeio

P’rá barra do entremeio
P’rá barra do meu vestido
Compro renda
Vendo renda
Faço renda
Para eu casar contigo.
(pp. 80-81)