"Ler é sonhar pela mão de outrem. Ler mal e por alto é libertarmo-nos da mão que nos conduz. A superficialidade na erudição é o melhor modo de ler bem e ser profundo."
Bernardo Soares
Livro do Desassossego

domingo, 29 de junho de 2014

O espelho quebrado, de Agatha Christie


Publicado pela primeira vez em 1962, com o título “The Mirror Crack’d from Side to Side”, sendo o sexto livro protagonizado por Miss Marple, sem contar a coletânea de contos “Os treze enigmas”. Nesta obra são mencionados como parte do passado precisamente este último livro, assim como um outro, “Um corpo na biblioteca”. Acentua-se a velhice de Miss Marple, que como dissemos anteriormente, resulta de uma necessidade da autora envelhecer a personagem que já criou como sendo uma “senhora de idade”.

A participação de Miss Marple na ação é bastante reduzida, à semelhança do livro anterior (O Comboio das 16.50 - ver aqui). Contudo, talvez por a ação se desenrolar na sua aldeia, St. Mary Mead, podemos afirmar que ela funciona não só como a personagem para onde convergem todos os factos (sejam os do inspetor responsável, que vem aconselhar-se com ela, como os mexericos de aldeia), o que contribui, apesar de tudo, para uma maior presença sua no desenrolar da ação.


Talvez por termos vistos a adaptação deste episódio na série “Marple”, conseguimos captar os indícios que, desde que começa o livro, se adivinhavam no desenrolar da trama para a descoberta do verdadeiro culpado. O final é inesperado, sem dúvida, não tanto pela descoberta do assassino, mas tanto mais pela atitude (dolosa ou negligente?) que este toma. Um médio-alto livro dentro da série “Marple”. 

quarta-feira, 25 de junho de 2014

Inês de Portugal, de João Aguiar

 

Esta obra de João Aguiar foi publicada pela primeira vez em 1997, e tinha como objetivo ser o guião do filme do mesmo nome, dirigido por José Carlos Oliveira.

A narrativa principal centra-se no período que media a chegada de Pero da Coelho e Álvaro Gonçalves, feitos prisioneiros, a Santarém, até à sua execução. Contudo, o livro mergulha constantemente em analepses, seja nas lembranças de D. Pedro, sobre as vivências que teve com Inês de Castro, seja a de seus membros da corte, que assistiram não só ao florescer da relação entre ambos, como também ao próprio julgamento e aplicação de pena de morte a Inês.

Um livro pequeno, que nota-se perfeitamente ser um roteiro cinematográfico. Poucos estados de alma e descrições sumárias. Narrativa avança em grande velocidade. Uso e abuso do discurso direto livre, em que não se utilizam travessões, apenas vírgulas, para as falas das personagens. Uma obra que retrata a mais célebre história de amor portuguesa, e que nos traz um D. Pedro mergulhado nas amarguras dos seus ódios.

sábado, 21 de junho de 2014

Uma Aventura na Casa da Lagoa


Este é o 56.º livro da coleção "Uma Aventura", de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada, publicado no passado mês de fevereiro. Trazem-nos desta vez as autoras um cenário ficcionado, no qual os cinco protagonistas do costume se junta uma amiga nova: Glória. É ao seu pai que pertence a Casa da Lagoa.

Está construído o cenário: uma casa antiga, que pertenceu a um colecionador de antiguidades egípcias e gregas, rodeada por um bosque com um rio e uma cascata, que forma uma lagoa, onde é possível nadar. Desenrola se toda esta trama em torno da "herança" deixada por este colecionador.

É, dentro da coleção um livro que se pode considerar razoável. Existem outros livros com uma grande casa abandonada, e que terão melhor encanto (Serra da Estrela, Casa Assombrada ou Noite das Bruxas). Contudo, não deixa de possuir algum brilho próprio, nomeadamente a tentava de "infiltração" dos vilões entre os protagonistas.

terça-feira, 17 de junho de 2014

A Revolta, de Suzanne Collins


Este é o terceiro livro da trilogia “Jogos da Fome”. Foi lançado em agosto de 2010 com o título “Mockingjay”, tendo sido publicada a primeira edição portuguesa em novembro de 2011. Este livro lança-nos por uma verdadeira vertigem de emoções. Sendo narrado na primeira pessoa, como os anteriores, acompanhamos, uma vez mais, a construção psicológica (ou será a desconstrução?) da protagonista. Começa o livro num estado emocionalmente frágil, encontrando apenas no ódio e no rancor forma de se manter viva. E é interessante ver a sua evolução. Mesmo quando parece que já não é o seu motivo de ódio que a mantém viva, isso é-nos relembrado. O seu objetivo final é matar X. E é curioso o resultado final da guerra.

Há um grande tema neste livro, sobre o qual nos podemos debater: os efeitos do poder. Com efeito, mais que organização da resistência, ao lê-lo deveríamos sempre perguntar-nos: até onde estão os mais poderosos (do lado da resistência ou não) dispostos a ir para manterem o seu poder? Para se manterem influentes e poderosos? E de que modo os perdedores podem usar isso mais ou menos a seu favor?


Quanto à trilogia em si, ela remete-nos para a queda dos poderosos que ascendem e se mantêm no alto do poder com base na repressão e subjugação de uma franja alargada de pessoas. Com efeito, mesmo que subjugadas e controladas, há sempre meio de escapar à submissão e os veículos desta podem por vezes flexibiliza-la, ainda que de uma forma incipiente, é o suficiente para acender um rastilho.

sábado, 14 de junho de 2014

Uma Fazenda em África, de João Pedro Marques


Publicado em 2012, este é um romance histórico que não gira em torno de uma personalidade ilustre, mas sim sobre um conjunto de colonos portugueses que emigraram de Pernambuco (Brasil) para Moçâmedes (Angola). A ação desenvolve-se em meados do séc. XIX, e apesar de não podermos considerar Benedita como protagonista, esta assume sem dúvida uma certa centralidade na obra.

Benedita Sepúlveda é uma personagem complexa, que vai de pouco mais que uma criança abandona à sua sorte, casada com um homem que a maltratava e violentava, evoluindo para uma quase mulher-fatal por quem os homens se apaixonam seduzindo e mantendo o interesse deles sem nunca realmente se comprometer com estes. Assume também por vezes uma personalidade calculista, que chega a ser um dos pilares para ser uma mulher de sucesso em África.

A obra é difícil entrada. As primeiras páginas são bastante difíceis de digerir. Da mesma forma, o final deixa bastante a desejar. Com efeito, a história fica no ar, possivelmente por ficar com a eventual hipótese de fazer uma continuação deste livro.

Há a destacar as notas de ironia existentes entre os brancos que se tentam fazer com que os seus costumes ocidentais vingarem numa África com uma cultura tão diferente, gerando momentos como este:


Dois criados pretos, espartilhados em cerimoniosas farpelas e luvas de uma alvura imaculada, circulavam em volta da mesa, apressados nos seus gestos lentos e um pouco perdidos nos rituais e etiquetas dos brancos.” (p. 85)

quarta-feira, 11 de junho de 2014

Dia do Mar, Sophia de Mello Breyner Andresen


É o segundo livro de Sophia, publicado pela primeira vez em 1947. A obra está dividida em seis partes, que são compostas por poemas de vários tamanhos, desde um simples dístico ([Nós falamos dos deuses mas vós sois]), até poemas com estrofes de 21 versos. Encontramos tamvém aqui poemas compostos por estrofes desiguais, assim como alguns clássicos sonetos (Catalina, por exemplo).

Quanto aos temas, temos sempre presente o mar e a mitologia, com que Sophia sempre nos brinda nas suas obras. Aborda ainda muito a temática dos Descobrimentos Portugueses em poemas como “Navio Naufragado”. De realçar o poema “Abril”, quase como uma visão profética da revolução dos cravos:

ABRIL
Vinhas descendo ao longo das estradas,
Mas leve que a dança
Como seguindo o sonho que balança
Através das ramagens inspiradas.

E o jardim tremeu,

Pálido de esperança.

sábado, 7 de junho de 2014

Uma Aventura no Sítio Errado, de Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada


Esta não foi uma leitura, mas sim uma re-leitura. Lançado em 2012, este é 54.º livro de uma das coleções que mais marcou várias gerações de jovens em Portugal. Ler este livro, e esta coleção no geral, em adulto, faz-nos não só voltar aos heróis dos nossos tempos, como também proporciona um relaxamento ao adormecer, quando já se lê na cama, antes de dormir (como é o caso).

Com um cenário ficcionado*, esta aventura traz-nos os protagonistas mergulhados num encontro exótico, na busca do produto de uma série de roubos. Não é o melhor dos livros da série, contudo tem uma boa narrativa e ação.
  

* O livro passa-se em duas quintas encostadas. A Quinta do Ramalhal e a Quinta do Roseiral. Apesar de existirem duas quintas com esse nome, estão geograficamente distantes, pelo que será uma mera coincidência.  

quarta-feira, 4 de junho de 2014

O Comboio das 16.50h, de Agatha Christie


Este policial de Agatha Christie foi lançado em 1957, com o título original “4.50 from Paddington”. É o sexto livro protagonizado por Miss Marple, contudo é de notar o seu envelhecimento face a livros anteriores. Com efeito, a autora uma vez afirmou que foi um erro criar Miss Marple e Poirot já velhos, pois assim não envelheceram com ela. O primeiro romance protagonizado por Miss Marple houvera sido lançado em 1930 (27 anos antes), e assim a autora sentiu necessidade de torna Miss Marple mais debilitada.

Com efeito, Miss Marple assume-se como “cérebro” dos desenvolvimentos, contudo é uma sua amiga que coordena as coisas no terreno, Lucy Eyelesbarrow. Perde-se assim um pouco da importância de Marple no desenrolar da trama.

Quanto ao desenvolvimento da ação em si, quando converge para determinado desfecho, há uma reviravolta, aproximadamente a 3/4 do livro. Há uma segunda reviravolta no final, para o desenlace, desta feita protagonizada pela própria Miss Marple. É uma reviravolta grande de mais e bastante rebuscada. Existiam indícios, é certo, contudo estes poderiam ter sido mais desenvolvidos ao logo da teia narrativa, para não parece, ao final, que surgiram do ar.


Foi adaptado para a série Marple, relativamente fidedigno ao original, contudo, com uma Miss Marple mais interventiva, o que, sem dúvida, enriqueceu o episódio.